17 de julho de 2011

Registro Geral

Há quem diga que folhetins eram literatura de gosto duvidoso. Talvez fosse, mas a estrutura, a publicação seriada é uma ideia muito interessante. Criar expectativas, prender o leitor. Eu não tenho a menor pretensão de ter leitores esperando o final da história, mas vou publicar este conto por partes, até para uma melhor formatação no blog.



Registro Geral


Houve um dia (parecia ser uma manhã de inverno, apesar do calor que fazia nos últimos dias) que subitamente mudou o destino de 117115362-4 IFP-RJ. O clima nublado, com indícios de frio e ventos que assustavam as folhas até se tremerem todas. Depois da onda quente que despiu a cidade naquelas semanas, esse dia veio de encontro aos outros trazendo a estranha sensação de doença que acompanha a mudança de tempo.
Já há três meses 117115362-4 não via o irmão. Talvez fosse pouco tempo, mas era muito para eles que sempre foram tão apegados. Em frente à porta, reuniu todas as forças para insistir que o irmão não fosse embora definitivamente. Respirou bem fundo e pressionou a campainha com algum receio e esperou. Trinta segundos parecem dias para quem espera em frente a uma porta. Tocou de novo, agora com mais vontade. Um rangido na porta, som de passos e tilintar de chaves. Pronto, agora estava feito. Aquele coração jorrando sangue para todos os lados de dentro em velocidade absurda. Uma fresta. Uma fresta maior. Meia prota aberta e porta aberta. Decepção. Não era seu irmão.
117115362-4 suspirou e apresentou-se. A figura na porta era 280047 OAB-RJ e provavelmente aquele apartamento era sua propriedade, já que o irmão morava de aluguel. Depois de uma breve introdução, OAB-RJ sugeriu que entrassem e tomassem um café. Soube-se que o locatário havia entregado as chaves do apartamento semana passada e que havia doado grande parte dos móveis para a senhora que fazia a faxina semanal. Depois da tempestade de outubro, ela perdeu todos os móveis na inundação, coitada. Parece que a geladeira foi vendida para o cunhado do porteiro por um preço acessível. Acham também que trocou a televisão por um saxofone que valia até mais do que o aparelho. A vizinha do 704 ficou viúva ano passado e o marido era músico. O sax já não servia mais, mas aquela televisão foi colocada no quarto de hóspedes. Dizem que agora a velha andava alugando um quarto para moças, mas quem agüentaria viver ali com aqueles gatos? Pra quê tanto gato, meu Deus?
A conversa durou mais tempo do que se esperava. Muitas pessoas torcem para que apareça o que fazer aos domingos. Principalmente a tarde. A companhia era tão agradável que 117115362-4 até tinha se esquecido do irmão. O advogado era uma pessoa muito engraçada e com muito assunto. Inteligente que chegava a assustar e também parecia só. Trocaram figurinhas, trocaram elogios, trocaram telefones. Adeus apartamento 502, adeus tarde de domingo, adeus irmão. A vida tomara outro caminho.
Na terça ou quarta-feira seguinte, agora me falha a memória, falaram-se novamente, agora por telefone, e combinaram um jantar depois do expediente. Trabalhavam perto, por acaso. Talvez não fosse tanta coincidência assim, já que, no Rio de Janeiro, quase todo mundo trabalha no Centro da cidade, mas para aqueles dois era quase uma ligação profética.

11 de maio de 2011

Como eu queria escrever qualquer outra coisa que não teoria. Ando divagando sobre obras pretéritas de escritores portugueses que privilegio na minha dissertação de mestrado. Será que um dia escreverão sobre algum poema meu? Gostaria que escrevessem. Não por uma vaidade, mas uma curiosidade em saber o que teriam as pessoas a dizer.

O poema que publico hoje é o primeiro sem título. Já tentei colocar mais versos nele, mas nunca consigo. Talvez deva deixar assim. Talvez mude um dia. Talvez eu esteja enfrentando um bloqueio criativo. Talvez.



Minha vida é um partir profundo
Um mergulho de alma do tamanho da morte
Uma passagem comprada para qualquer parte
Farelo de gente jogado no mar

O descuido profético recolhe uma sombra
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Um passo sensível ao significado zero

Minha vida é uma viagem
de ida

18 de janeiro de 2011

Fluvial

Primeiro poema de 2011.
Como sempre, minha publicação é homeopática, mas esse é meu ritmo.
Eu não lembrava, em absoluto, desse poema que eu havia escrito. Estava em uma pasta do meu notebook junto com roteiros de viagem, reservas de hotel, tabelas com horários de trem e mapas de países Europeus. Em outras palavras, esse poema é uma Narrativa de Viagem (mais para Camilo Pessanha do que para Almeida Garrett).
Um dia ainda reescrevo essa estrofe final, mas fica aí o poema tal qual foi escrito em alguma viela de Veneza.




Fluvial

Entre vielas que se perdem
Nos caminhos que desembocam
Pelos canais que conduzem
No fundo da água reluzem
No fundo da alma recordam
O passado das águas nas margens

Atravesso depressa o Rialto
Não percebo os barcos singrados
O que os homens têm vendido
Os sinais que sigo, errados
O que eu havia esquecido
O sentido sempre inexato

E por aqueles canais estreitos
Com tantas pontes a atravessar
Percebo o estreito no peito
O labirinto que me foi feito
Um mapa pluvial perfeito
Na minha alma a encruzilhar

Seguro em minhas mãos o desespero
As águas me engolem incessantemente
O ar que me falta é sufocante
No vício permanente do meu erro
À sinistra
Afundei-me.

21 de dezembro de 2010

Um Mapa do Mundo

Cada um desenha seu mapa do mundo da maneira que pode. Aproxima lugares distantes pela memória e pela vontade. Depois de ter conhecido alguns lugares onde sempre sonhei estar, fiz a média aritmética da minha expectativa e daquilo que meus sentidos puderam capturar. Isto capturado pelos sentidos é o que Kant chamou de Real, é o que Fernando Pessoa chamou de Sensação, é o que eu chamo de parcela. O mundo tem vários mapas que, conjugados, resultam numa sucessão de mundos possíveis. O meu mapa do mundo marca lugares, pessoas e sentimentos. Meu mapa só pode ser o mapa do meu mundo.

Trilha sonora: A Map of the World - Pat Metheny



Um Mapa do Mundo

O meu mundo tem seu próprio desenho
e eu mesma tracei o mapa,
com pessoas circulando enquanto o tempo avança,
visto de uma janela como um filme que passa.

O meu mundo tem cheiro de flor e fumaça,
pelo traço de uma criança,
tem monte, tem mato, tem mar e saudade,
amores ardentes no calor da cidade,
parentes voltando no céu da lembrança.

O meu mundo tem todo um colorido
de tintas sinceras que não se apagam,
que dão forma e vida a meus sonhos, sentidos,
que, por entre as estrelas, no meu mundo, espaçam.

4 de julho de 2010

Poesia sou

Uma postagem por semana? Acho que é a primeira vez que acontece. Vou verificar.

Há dúvidas quanto ao título deste poema... na verdade não fui eu quem sugeriu este título, mas faz sentido. Bem, quem sugeriu o título sugeriu também que eu publicasse esse poema que, na verdade, não é bem meu. Ele está mais para uma apropriação das palavras de certos mortos que eu reuni, a saber, Cesário Verde, Camilo Pessanha e Antero de Quental. Mas o que somos nós a não ser a reunião das vozes que nos antecedem?

Ready made também é arte.



Poesia sou


A dor humana busca amplos horizontes
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
E tem marés de fel como um sinistro mar...
Mas na imensa extensão onde se esconde
A dor forte e imprevista
Eu acho sempre assunto a quadros revoltados.

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso
Eu sigo, como as linhas de uma pauta,
Com versos magistrais, salubres e sinceros,
Exaustos e curvados,
Escravos condenados,
Em negro recortados.

Disseram que era um Deus... e amortalharam-me!
Como se eu fosse alguém! Como se a vida
Pudesse ser alguém! - logo em seguida
Junto do mar sentei-me tristemente.
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Resplandecente e imenso
Um bramido, um queixume, e nada mais.

23 de junho de 2010

Paisagem Húngara

Poema escrito no chacoalhar do trem de Zagreb para Budapeste. Se eu lembrasse que tinha esse poema aqui no computador, não teria ficado tanto tempo sem postar.
Penso em mudar alguns versos, mas vou publicar mesmo assim...

Textos visuais fazem bem pra alma.



Paisagem Húngara

O céu riscado pelas nuvens traçantes,
tangentes ao cinza acumulado,
são ângulos desenhados pelos raios
do sol que se esconde em vergonhas.
As casas dispersas, largas, perdidas,
floreiam no entorno da estação
e o Lago estagnado se esverdeia de coníferas.
Atravesso um rio que desconheço.
Vejo casas de singular arquitetura.
Vejo o azul que em todo o mundo é o mesmo.
Vejo o mesmo que minha mente procura.
O cenário tão distinto de um lugar que nunca vi
causa-me imensas saudades.
Sinto falta das tropicalidades
apesar do calor daqui.

9 de fevereiro de 2010

Limites

Poema mais que recente. Feito hoje, depois de um hiato poético.
Minha mente às vezes aparece com cada coisa que nem eu entendo...



Nos espaços inacabados entre eu e mim
Desenho os esboços roçados nos cantos
Os muitos abismos do sujeito objeto
Entornam o estilo dos ancestrais escritos consagrados por sua [precisão e perfeição de artíficio.
A memória rastreia a beleza em uma leitura scanning e retorna de [viagem com a lembrança daqueles quadros estacionados no [Museu do Prado.
Vem as cores, vem as cores, mas as palavras andam por aí [perdidas como as constelações que são apenas pontos e não [signos do zodíaco.
Os cálculos aproximados do limite da alma estão errados.
Não sei fazer cálculos, nunca soube.

12 de dezembro de 2009

Convite

Bem, hoje não vou postar nenhum poema, mas sim o Convite para a Cerimônia de Lançamento do Livro no qual terei textos publicados. Meu nome aparece aí na lista de escritores nas categorias Conto e Poesia, é só clicar na imagem para ver em tamanho grande.

Sintam-se convidados!


26 de novembro de 2009

Gare du Nord

E lá venho eu de novo com ótimas notícias!

Este blog me dá sorte. Desde a sua criação sempre tenho coisas boas para contar aqui. É claro que algumas tristezas também me abateram durante a existência dessa página, mas essas eu guardo para mim.

O que tenho para contar hoje é que terei mais dois trabalhos publicados. Estou feliz demais! Outro conto meu sairá em coletânea, dessa vez pela EdUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense). Fiquei muito satisfeita pela classificação com o conto, mas confesso que fiquei ainda mais contente porque também fui uma das vencedoras na categoria Poesia. Pela primeira vez terei um poema publicado em livro e a primeira vez, a gente nunca esquece. Segue então o meu poema vencedor, uma singela homenagem à cidade Luz, tantas vezes contada e cantada.

Quem vai a Paris e não se sente artisticamente tocado, não tem coração.




Gare du Nord


Agora desejo partir-me ao mundo
Procuro perder-me entre as estações
Por entre calçadas, homens, nações
Quero o distante, o presente, o profundo

Vou contorcer-me nos ferros dos trilhos
Tantos ferros retorcem na cidade
Deixo na “Gare” o resto de saudade
Adeus ao país, ao passado, aos filhos

No vagão das viagens, vivo só
Não tenho endereço a que me escrevam
Esqueço-me acompanhada de impressos

Apanho o T.G.V. na Gare du Nord
Acerto entre caminhos que se erram
Sem raízes, só me prendem os versos

11 de novembro de 2009

Poema inacabado

Bem, uma postagem por mês é quase bom para quem não tem escrito muito.
Minha produção poética anda em baixa e, coincidentemente, estou com várias idéias para escrever prosa. Há pouquíssimo tempo atrás isso era impensável pra' mim.

Eu sou meio atrasada virtualmente e só ontem resolvi criar uma conta no Twitter. É interessante, embora eu ainda não saiba usar direito. Aos twitteiros de plantão, o endereço é twitter.com/datilografia .

Poema Inacabado

O meu amor é daqueles não definidos
Isso para amor é qualidade
Tudo que é definido
É limitado.
Meu amor é como pena voando no papel
A pena quando vai pro papel não voa
Voa mais do que deveria
Meu amor é vento no rosto
É brinquedo novo de criança nova
É cheiro de mato na viagem
É canção bonita em Dm.
E apesar de tudo isso
Para minha ironia
Não consegui até agora
Definir o meu amor
Ainda bem
Isso para amor é qualidade.